terça-feira, janeiro 26, 2021

Não são só números (às vítimas de Covid-19 no Brasil)

 

Em pensar que
um número
aleatório
entre cento e oitenta e seis mil,
setecentos e sessenta e quatro
e cento e oitenta e sete mil,
trezentos e vinte e dois,
é o meu pai,
o meu mundo
meu e de muitos...

                    Ele tem um nome,
                    uma história, uma vida,
                    uma família a qual ama
                    e pela qual é amado. 

                    Não é só um número.

                    Em pensar que 
                    o número depois dele
                    também é o mundo de muitos.

 

Quem sabe outro pai,
ou talvez uma mãe, avó, avô
filho, filha, esposa, esposo,
E o número antes dele, que também era
o mundo de alguém, se foi apenas instantes
antes que eu perdesse meu mundo, 

 

Em pensar que cento e oitenta e sete mil,
trezentos e vinte e dois mundos se foram…
Em pensar que nesse luto
nem sequer pudemos nos despedir.

 

Enquanto isso, nada.
eles não estão nem aí.
E daí? Bando de maricas.
É só verborragia lúdica,
ignorância celebrada,
e uma paralisia genocida. 

 

É foda. 

 

Não são só números,
são mundos. 

 

Não é só tristeza,
é raiva. 

André Espínola 

                    In memorian André Vidal Menezes Espinola (19/01/1954 - 21/12/2020) e todas as vítimas do covid-19

segunda-feira, janeiro 23, 2017

Primeira Entrevista do Ano



PRIMEIRA ENTREVISTA DO ANO

- Cidadão de bem, bom dia. Poderia nos dizer o que você espera desse novo ano que se inicia cheio de luz e esperança?

- Bom dia a todos os que estão nos escutando. Obrigado por perguntar, afinal, cheguei até aqui com meu próprio esforço e mérito. Bem, Quais minhas expectativas? Nesse ano eu espero muitas intrigas, claro, e que eu possa passar sempre por cima dos outros e que somente eu e minha família consigamos alcançar nossos objetivos, mesmo seja que por meios pouco convencionais ou moralmente questionáveis. Ah, sim, não posso esquecer que quero também o máximo de chacinas possível, especialmente nos presídios, o fim da corrupção e que esse povinho deixe pra lá esse vitimismo todo. Enfim, que nesse novo ano o mundo seja coberto de paz, amor e que Deus nos abençoe.

- Muito bem. Tenha um ótimo ano.

- Para todos nós, se Deus quiser.

- Amém.

André Espínola

segunda-feira, janeiro 09, 2017

Feliz Natal



recebi tantos
abraços,
e desejos
de "feliz natal"
com sorriso
num rosto
cheio de luz,

quanto ouvi:

"são os direitos humanos
que estão
estragando
o país"

e

"bandido bom
é bandido morto".

Seja bem vindo, menino
Jesus.


André Espínola

Pré-Revolução Natalina



Pré-Revolução natalina

Depois desse presente
De Natal Temeroso,
Trabalhar até
os oitenta e pouco,
E com vinte anos pela frente,
Cortando sempre na carne
E sugando o osso,


Tomar uma é questão de
Luta de classes.

André Espínola

Feliz Ano Novo!



Somos tão invencíveis
Na virada
do ano novo
Que nem parece
Que um espirro
Uma topada
Ou um mosquito
Será capaz de nos derrubar.



André Espínola

terça-feira, agosto 23, 2016

A recíproca é verdadeira





eu sinto o blues o tempo inteiro,
todo dia.[1]
é minha sina, nasci com má sorte[2], dizem,
ao menos foi o que uma cigana disse a minha mãe[3]; 

nasci com o blues e pronto[4],

minhas 24 horas do dia cantam os blues
incansavelmente,
e eu canto junto.

afinal, se os problemas fossem dinheiro,
eu juro que seria um milionários[5];
como não posso perder o que nunca tive[6],
eu continuo bebendo[7] e esperando o sol bater na minha porta
algum dia[8],
pois os tempos são difíceis onde quer que você vá[9];

porque, sabe, é tão difícil amar alguém
que não ama você[10],
até porque ninguém me ama, a não ser minha mãe,
e olhe que ela pode estar bincando também[11],
mas logo eu estarei morto e dormindo a sete palmos do chão[12];

pois bem, é tanto blues na cabeça que
não sei se sou eu que sugo o blues,
ou se é ele quem me suga;
se eu o respiro ou se é o blues
que me re(in)spira.

 André Espínola


[1] B. B. King – Everyday I Have The Blues
[2] Albert King – Born Under a Bad Sign
[3] Muddy Waters – Gypsy Woman
[4] Memphis Slim – Born With The Blues
[5] Albert Collins – If Trouble Was Money
[6] Muddy Waters – You Can’t Lose What You Never Had
[7] Pinetop Perkins – I Keep On Drinking
[8] Big Bill Broonzy – Trouble In Mind
[9] Skip James – Hard Times Killin’ Floor
[10] Son House – Death Letter
[11] B. B. King – Nobody Loves Me But My Mother
[12] Howlin’ Wolf – How Many More Years

segunda-feira, julho 25, 2016

Recado psicografado para José de Alencar

"A escravidão não se extingue por acto de poder; a instituição da escravatura deve preencher o seu tempo e extinguir-se pela revolução das ideias". (José de Alencar)

Recado psicografado ao romancista, fundador do romance nacional, e político conservador brasileiro, José de Alencar (1829-1877):

Caro José de Alencar, não era meu intento te causar inquietações no sono profundo, mas estamos em 2016 e é um fardo muito grande para a nossa geração ter que carregar sozinha. Todos nós erramos e nossos erros custam caro. Alguns deles vão além da nossa existência material. Se tivéssemos te dado ouvidos, sem dúvida um dos homens mais notáveis da época, e esperado a "revolução das ideias" anunciada tão covardemente ante as lutas abolicionistas, a escravidão ainda estaria institucionalizada por essas terras, apesar de ainda vê-la rondando, tal qual uma quimera, no consciente subconsciente do nosso civilizado Brasil.

Com indignação,

André Espínola

25 de julho de 2016

quarta-feira, abril 06, 2016










idosas mãos
entrelaçadas,
e uma delas,
tubos presos em
veias saltadas;

um olhar devotado
de quem já viu tudo;
e um carinho, um afago,
seguido de um beijo
dos velhos tempos
de namorados;

três gerações ao redor
do leito
acompanham, impotentes,
o desabrochar
da própria história
de suas vidas;

todos com uma dor no peito
e a descoberta
que há muito mais no amor
do que já imaginou
a vã poesia.

06/04/2016

André Espínola

domingo, abril 03, 2016

Gratidão



“Que tempos difíceis eram aqueles: ter a vontade e a necessidade de viver, mas não a habilidade.”
― Charles Bukowski

sou grato porque
cheguei
entre trancos
e barrancos
a lugar nenhum;

pois se eu fosse um
bicho desses qualquer,
cuja existência se dá
na corrida entre os
mais aptos,

meu instinto de sobrevivência
há muito já teria
me matado.

André Espínola